UM POUCO DE DRUMMOND: PARTE 2 - poema "No Meio do Caminho"



 “NO MEIO DO CAMINHO”

Esse poema, de Carlos Drummond de Andrade, foi julgado como sendo um poema diferente e estranho. Em especial pelo uso do verbo “ter” no sentido de “haver”/”existir”, e não de posse.

Após a leitura do poema, vamos desdobrar a análise em três partes:

- da interpretação do poema
- do uso de figuras de linguagem
- o contexto histórico do poema


No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra


Interpretação do poema

Carlos Drummond de Andrade, ao escrever “tinha uma pedra no meio do caminho”, utilizou-se da fala popular, esquivando-se da gramática padrão, já que o verbo “ter” não deve ser usado no sentido de “existir, ocorrer, acontecer”. No seu lugar, se Drummond quisesse utilizar a norma culta, ele deveria ter usado o verbo “haver”: havia uma pedra no meio do caminho ou ainda o verbo existir: existia uma pedra no meio do caminho.

 O verbo haver, quando usado no sentido de existir ou de acontecer, ou ainda quando indicar tempo decorrido é verbo impessoal, ou seja, não tem sujeito. O termo que parece ser o seu sujeito é o complemento do verbo. Como ele não tem sujeito, não tem com quem concordar. Deve ficar, por isso, na terceira pessoa do singular obrigatoriamente. Drummond, porém, usou da prerrogativa de se utilizar da licença poética, ou liberdade poética, que é a “autorização” ao erro que os poetas, compositores e escritores em geral têm.

(...)

Mas, por que Carlos Drummond de Andrade escreveu “tinha uma pedra” e não havia uma pedra? Já se explicou que ele se utilizou da fala popular, mas, por que na fala popular se usa “ter” inadequadamente no lugar de “haver”?

Porque existe uma possibilidade de “ter” ser usado no lugar de “haver” adequadamente: quando houver um tempo verbal composto, que é a formação de uma locução verbal cujo verbo auxiliar é “ter” ou “haver” e o verbo principal é outro verbo no particípio, verbo terminado em –ado ou em –ido:

– Ele tinha estudado para a prova.

– Ele havia estudado para a prova.


Mais um detalhe: se o verbo “haver” se unir a outro, como “dever, poder, ir, continuar”, entre outros, para formar uma locução verbal, sendo ele o verbo principal, transfere a esses a impessoalidade, ou seja, esses verbos devem ficar no singular:

– Pode haver outros terremotos.

– Deve haver mais placas tectônicas com risco iminente.

– Continuar a haver riscos naquela área.


O poema e as figuras de linguagem


Quiasmo: inversão e repetição de termos, com ou sem alterações.
...tinha uma pedra no meio do caminho,
no meio do caminho tinha uma pedra.

Metáfora: A pedra não tem necessariamente um sentido denotativo. Não se trata de uma pedra real, mas a representação de um problema, ou obstáculo. “Havia um problema na minha vida, como uma pedra que aparece no meio do caminho”

Anáfora: uso repetitivo de palavras ou expressões

Prosopopeia (ou personificação): “retinas fatigadas” (cansadas) – cansaço tem a denotação física ou mental para pessoas. As retinas podem ficar afetadas, “gastas”, mas não cansadas.


Contexto histórico e pessoal de Drummond

O poema No Meio do Caminho foi publicado em julho de 1928 no número 3 da Revista de Antropofagia, dirigida por Oswald de Andrade, e causou polêmica na época, com duras críticas de várias pessoas. Muitas das críticas eram fundamentadas na utilização da redundância e repetição que foram usadas pelo poeta. Por exemplo, a expressão "tinha uma pedra" é usada em 7 dos 10 versos do poema.
O poema, mais tarde, veio a integrar o livro Alguma poesia (1930), já caracteristicamente drummoniano: com uma linguagem simples, coloquial, um discurso acessível e despojado.

Sendo um dos nomes mais conhecidos do modernismo brasileiro, Carlos Drummond de Andrade marcou a literatura brasileira por expressar de maneira inspiradora as profundas inquietações que atormentam o ser humano.
(...)

Para alguns, o poema No Meio do Caminho é considerado como o produto de um gênio, para outros é descrito um poema monótono e sem sentido. É possível afirmar que as críticas e ofensas feitas ao autor foram pedras no meio do seu caminho.
(...)

Uma das teorias sobre a gênese do poema No Meio do Caminho remonta para a própria biografia de Carlos Drummond de Andrade.

Drummond se casou em 26 de fevereiro de 1926 com a amada Julieta. Um ano depois nasceu o primeiro filho do casal: Carlos Flávio. Por uma tragédia do destino, o menino sobreviveu apenas por meia hora.

Entre janeiro e fevereiro de 1927 foi encomendado ao escritor um poema para o primeiro número da Revista de Antropofagia. Drummond, imerso na sua tragédia pessoal, mandou então o tal polêmico poema No Meio do Caminho. A publicação da revista saiu no ano a seguir, em 1928, consagrando o trabalho poético do autor.

O teórico Gilberto Mendonça Teles sublinha o fato da palavra “pedra” conter as mesmas letras da palavra perda (trata-se da presença da hipértese, uma figura de linguagem ). O poema teria sido então uma espécie de túmulo para o filho e também uma lição de como o Drummond escolheu processar esse triste acontecimento pessoal.

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