LITERATURA - MACUNAÍMA, O HERÓI SEM CARÁTER


MACUNAÍMA

Grande Otello no filme Macunaíma

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava: If — Ai! que preguiça!. . . e não dizia mais nada. [...] O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. [...] E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus.

Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara.

[...] Macunaíma assuntou o deserto e sentiu que ia chorar. Mas não tinha ninguém por ali, não chorou não. Criou coragem e botou pé na estrada, tremelicando com as perninhas de arco. Vagamundou de déu em déu semana, até que topou com o Currupira inoqueando carne, acompanhado do cachorro dele Papamel. E o Currupira vive no grelo do tucunzeiro e pede fumo pra gente. Macunaíma falou:

— Meu avô, dá caça pra mim comer?

— Sim, Currupira fez.

Cortou carne da perna moqueou e deu pro menino, perguntando:

— O que você está fazendo na capoeira, rapaiz!

— Passeando.

[...] Então contou o castigo da mãe por causa dele ter sido malévolo pros manos. E contando o transporte da casa de novo pra deixa onde não tinha caça deu uma grande gargalhada. O Currupira olhou pra ele e resmungou:

— Tu não é mais curumi, rapaiz, tu não é mais curumi não ... Gente grande que faiz isso...

Macunaíma agradeceu e pediu pro Currupira ensinar o caminho pro mocambo dos Tapanhumas. O Currupira estava querendo mas era comer o herói, ensinou falso:

— Tu vai por aqui, menino-home, vai por aqui, passa pela frente daquele pau, quebra a mão esquerda, vira e volta por debaixo dos meus uaiariquinizês.

Macunaíma foi fazer a volta porém chegado na frente do pau, cocou a perninha e murmurou:

— Ai! que preguiça!... e seguiu direito. O Currupira esperou bastante porém curumim não chegava... Pois então o monstro amontou no viado, que é o cavalo dele, fincou o pé redondo na virilha do corredor e lá se foi gritando:

 — Carne de minha perna! carne de minha perna!

Lá de dentro da barriga do herói a carne respondeu:

— Que foi?

Macunaíma apertou o passo e entrou correndo na caatinga porém o Currupira corria mais que ele e o menino isso vinha que vinha acochado pelo outro.

— Carne de minha perna! carne de minha perna!

A carne secundava:

— Que foi?

O piá estava desesperado. Era dia do casamento da raposa e a velha Vei, a Sol, relampeava nas gotinhas de chuva debulhando luz feito milho. Macunaíma chegou perto duma poça, bebeu água de lama e vomitou a carne.

— Carne de minha perna! carne de minha perna! que o Currupira vinha gritando.

— Que foi? secundou a carne já na poça.

Macunaíma ganhou os bredos por outro lado e escapou. Légua e meia adiante por detrás dum formigueiro escutou uma voz cantando assim: "Acuti pita canhém..." lentamente. Foi lá e topou com a cotia farinhando mandioca num tipiti de jachara.

— Minha vó, dá aipim pra mim comer?

— Sim, cotia fez.

Deu aipim pro menino, perguntando:

— Quê que você está fazendo na caatinga, meu neto?

— Passeando.

— Ah o quê!

— Passeando! Então contou como enganara o Currupira e deu uma grande gargalhada.

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