LITERATURA - MACUNAÍMA: ANÁLISE
Por que
'Macunaíma', lançado há 90 anos, é muito mais do que um livro de vestibular
O escritor criou um anti-herói marginal que
nasce com preguiça na Amazônia e apronta tantas traquinagens que acaba
abandonado pela mãe. Macunaíma é erotizado e, a todo custo, busca prazeres
sexuais. Ainda na floresta, ele ganha um talismã indígena, a muiraquitã. Depois
perde a pedra e então viaja para São Paulo e Rio de Janeiro a fim de tentar
recuperá-la. No percurso, o protagonista - que nasce negro e vira branco - vive
peripécias e confusões, revelando suas falhas de caráter.
"O livro reúne uma vasta pesquisa da
linguagem, das práticas narrativas e das músicas, das falas, ditos, contos e
cantos populares do Brasil", enumera o antropólogo Paulo Santilli,
professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
(...) A primeira edição, com 283 páginas, foi
impressa nas Oficinas Gráficas de Eugenio Cupolo, em São Paulo. Saiu do prelo
em 26 de julho de 1928 e, nos meses seguintes, foi assunto entre os principais
expoentes da cultura nacional. "A obra apresentou uma grande renovação
estética. E isso provocou uma reação irada da crítica conservadora", diz
Santilli.
"É um marco do modernismo, o primeiro
movimento literário realmente brasileiro. Essa é uma questão eterna para um
país que surge do encontro - ou desencontro - de centenas de etnias indígenas e
africanas, por causa da colonização europeia. Um país que é miscigenado, que se
ama e se odeia por isso", comenta a antropóloga Deborah Goldemberg.
(...) Em 1969, Macunaíma virou filme -
dirigido por Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) e com Grande Otelo
(1915-1993) no papel principal. A obra é considerada pela Associação Brasileira
de Críticos de Cinema como uma das cem melhores da filmografia nacional.
(...) Mário de Andrade costumava dizer que escreveu Macunaíma em apenas seis dias - "deitado na rede em Araraquara", frisa o poeta e crítico literário Frederico Barbosa. "No entanto, a obra revela uma enorme pesquisa e profunda reflexão do escritor sobre a identidade nacional. Ou seja, demorou muito tempo para ser gestada, embora tenha saído de forma bastante natural ao ser escrita."
(...) "É erudição com naturalidade e
humor. É muito sério em sua essência, mas muito engraçado e divertido na
leitura. Em outras palavras, Macunaíma é, antes de tudo, uma obra gostosa de se
ler que abre um vasto leque de reflexões sobre nossa identidade nacional",
explica.
"Segue sendo importante porque diz muito
do Brasil do início deste século e também do século passado", afirma
Santilli.
"A maestria de Mário de Andrade ao
mesclar a língua coloquial e a escrita demonstra a distância entre esses
falares e confere um efeito estético. Essa trama ilustra a distância tanto no
léxico quanto na política entre as elites e a população. Significa muito mais
do que as listas de vestibulares. É um livro necessário para compreender o
Brasil, a riqueza e a diversidade linguística e cultural do Brasil, e ao mesmo
tempo a mediocridade e a avidez mesquinha da elite que marca a história do
Brasil."
"Noventa anos depois, continuamos
buscando uma identidade cultural nacional, algo que nos una enquanto nação. Mas
continuamos divididos e sem conhecer nossa história - o que pode ajudar a
entender todas as tensões atuais", comenta o editor e poeta Eduardo
Lacerda.
Mário de
Andrade
"Eu sou trezentos, sou trezentos e
cinquenta" é a frase do escritor Mário de Andrade que melhor define sua
multiplicidade de interesses e de talentos.
Poeta, escritor, crítico literário,
musicólogo, historiador da arte, folclorista e ensaísta, ele gostava de ir a
campo em busca das experiências dos brasileiros reais. Foi uma das mentes por
trás da Semana de Arte Moderna de 1922, que deu início ao movimento
Modernista e mudou a arte no país.
Em 1935, tornou-se diretor-fundador do
Departamento de Cultura de São Paulo, um órgão que seria o embrião da atual
Secretaria de Cultura. Em 1937, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) foi criado, Mário de Andrade foi incumbido de
peregrinar pelo interior paulista a fim de identificar e mapear tudo aquilo que
merecia ser protegido como bem cultural no Estado.
Nessas viagens, ele
acabou se tornando o primeiro a olhar com interesse histórico para as hoje
reconhecidas "casas bandeiristas", construções coloniais paulistas
pobres e rudimentares, de estruturas simples e feitas de taipa de pilão.
"Casas velhas", era como o poeta as chamava - sem que isso fosse
algum demérito, muito pelo contrário.
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